Ana Lúcia Gonçalves

Ana Lúcia Gonçalves

Brigar, pra quê?

Trabalhar com família sempre foi uma de minhas paixões e desenvolvo esse tipo de trabalho até hoje. Uma boa orientação de pais pode ser muito eficaz, resolvendo questões que parecem insolúveis. Muitos pais tendem a achar que o “problema” está na criança e não olham para o relacionamento familiar e do casal.

Conflitos conjugais podem ser associados a dificuldades acadêmicas dos filhos. Não é nenhuma novidade que as brigas conjugais vivenciadas pelo casal podem influenciar diretamente em suas práticas educativas. É comum, nestas situações, a falta de controle dos sentimentos que acaba implicando diretamente em como se relacionar com os filhos. Dessa forma, aumenta o grau de angústia, ansiedade e medo nos lares com conflitos conjugais, sendo ainda maior onde existe a violência física. Mas devemos lembrar aqui que a violência psicológica também pode ser extremamente danosa. A situação de conflito ocupa o espaço da aprendizagem, do encantamento por novos “saberes”. As práticas educativas nesses lares parecem variar em diferentes caminhos, indo desde a coercitividade até a permissividade, o que influencia no ajustamento dos filhos. Os pais podem tornar-se menos efetivos em suas práticas e no monitoramento, sendo que os filhos podem achar que não estão sendo “vistos” – e isto pode causar um distanciamento entre eles.

A não-harmonia no lar – como um ambiente tenso – desencadeia, com frequência, sentimentos de raiva, entre outros, influenciando no ajuste socioemocional e acadêmico dos filhos. Este comportamento dos pais também pode influenciar no número de brigas entre os irmãos, desestabilizando ainda mais a situação.

É fato que os conflitos conjugais interferem no ajustamento acadêmico dos filhos, sendo a queda do rendimento das notas um sinal de alerta. Por trás de muitos problemas de aprendizagem, ou de inadaptação da criança na escola, encobre-se uma dificuldade emocional, cuja origem se encontra no contexto familiar. E, em algum momento, esse processo tenso desencadeará uma crise, cujo sintoma pode ser a dificuldade acadêmica e o não-aprender. Nesse momento de crise é importante que o profissional que está acompanhando o caso saiba escutar as demandas que vêm da própria criança. Este desvendar dos problemas que a criança apresenta na escola pode sinalizar que alguma coisa está fora do lugar e essa é a forma pela qual a criança, sem o saber, pede para ser escutada. Portanto, como profissionais, precisamos avaliar o todo e não apenas um detalhe de um todo.

Para refletir deixo parte da música do primeiro disco do Legião Urbana (1985):

Será
“Nos perderemos entre monstros
Da nossa própria criação
Serão noites inteiras
Talvez por medo da escuridão
Ficaremos acordados
Imaginando alguma solução
pra que esse nosso egoísmo
Não destrua nosso coração
Brigar pra quê?”

Ana Lúcia Gonçalves – psicóloga, psicopedagoga, pedagoga e acupunturista. Idealizadora e coordenadora do projeto “Psicólogos Brasileiros Online”. Artigo originalmente publicado na coluna “No Divã” do jornal “Diário da Serra” em 18 de maio de 2004. Atualizado em julho de 2020.

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