Há concordância entre os estudiosos de que fatores externos e internos influenciam na aprendizagem do indivíduo de maneira consciente ou inconsciente, tendo a família um caráter essencial neste contexto.
Bem sabemos que certas crianças não se aplicam aos estudos e isso pode estar relacionado à grande decepção que experimentam quando acham que seus pais estão mais preocupados com seus desempenhos acadêmicos do que com elas enquanto pessoa. Desta forma, podem vir a magoar-se com a escola e com tudo o que ela representa, podendo lidar com desleixo em relação às atividades escolares a ponto de odiarem aquela situação. Em muitos momentos é provável que esta criança possa realmente sentir-se incapaz de realizar os desafios acadêmicos.
O não-aprender de uma criança pode representar, de uma forma simbólica, a pretensão de não crescer, por parte dela ou de, pelo menos, um dos membros da família. Essa criança normalmente se comporta de maneira infantilizada e isso costuma ser valorizado dentro do ambiente familiar.
Nos consultórios, pais e mães falam de seus filhos problemáticos, regulares e inteligentes. Esses adjetivos costumam estar ligados à sua produtividade e desempenho na área do aprender. Esses pais tendem a associar o rendimento e o desempenho escolar com aspectos de personalidade, dentro do contexto social. Dessa forma, podemos inferir que não só o aprender como toda a atividade escolar desempenham papel fundamental na colocação de uma criança ou de um adolescente dentro da sociedade. Não poder aprender é, muitas vezes, não poder participar de uma atividade social, da qual se desenvolverá a capacidade de análise crítica daquela criança. A dificuldade de aprendizagem pode representar um fracasso social e a criança pode experimentar um sentimento de não pertencimento ao grupo. Para compreender o insucesso de uma criança, devemos desenvolver uma relação empática com ela e entender o significado do aprender e do não aprender para ela e para a sua família.
Gostaria de fechar o artigo com a definição do que é aprendizagem a partir do olhar de duas crianças, uma com 3 anos e outra com 6 anos. Esse diálogo foi transcrito por Alicia Fernández:
(6anos) “Aprender é como quando papai me ensinou a andar de bicicleta. Eu tinha muita vontade de andar em uma bicicleta. Então, papai me deu uma bicicleta. Me ajudou a subir e me disse que eu tinha que sustentá-la andando, senão ela cairia….”
(3 anos) “Me dá medo andar sem as rodinhas.”
(6 anos) “Um pouco de medo dá, mas papai segurava a bicicleta. Não subiu em sua bicicleta grande e disse: ‘Assim se anda de bicicleta’. Não. Ele se pôs a correr ao meu lado, sempre segurando a bicicleta… Muitos dias e, de repente, sem que eu me desse conta, soltou a bicicleta e seguiu correndo ao meu lado. Então, eu disse: ‘Ah…! Aprendi!’”
Esta é uma das definições mais bonitas, segundo a minha opinião, sobre o que é aprender… Sempre que leio, consigo captar a beleza daquele momento.
Ana Lúcia Gonçalves – psicóloga, pedagoga psicopedagoga e acupunturista. Idealizadora e coordenadora do projeto “Psicólogos Brasileiros Online”. Artigo originalmente publicado na coluna “No Divã” do jornal “Diário da Serra” em 28 de maio de 2004. Atualizado em julho de 2020.